O drama de um garoto




     Preso em casa com uma gripe terrível, agasalhado e com chá fumegante nas mãos, olhava a chuva dedilhar na vidraça mensagens em braile. Mas ao me aproximar da janela, vi do outro lado da rua, apertado debaixo duma marquise, um garoto que lutava para não se molhar.

      Pensei  eu aqui todo confortável e aquele pobre garoto lá, debaixo desse aguaceiro todo. Por outro lado, não sei quem é, que índole traz, que histórias vivenciou  foram argumentos que passaram pela minha mente, enquanto procurava voltar para o repouso do sofá. Só que eu sou dessas pessoas idealistas, que querem mudar o rumo das coisas. Então pedi que Dona Arlinda, a secretária da casa, fosse buscá-lo.

      Seu nome era André. André de quê? Só André. Disse-me que estava com fome, que naquele dia ainda não comera nada etc. Eu concordei em servi-lhe o almoço, mas tinha uma condição  ele teria que tomar banho antes. André começou a relutar, contra-argumentava que a fome era tão grande que desejava comer primeiro. De jeito algum, fui taxativo, você está mais carecedor de um bom e higiênico banho.

      Cabisbaixo, lá foi ele atrás de Dona Arlinda, como um resignado que se encaminha à forca. Demorou bastante, e quando se sentou à mesa estava outra pessoa. Dei-lhe roupas limpas e tênis novos. Só que André, antes mesmo da primeira garfada, começou a soluçar de choro.

       Que foi, garoto preocupei-me.  Você está se sentindo mal?
      ― Não.
      ― Que foi, então?
      ― É que estou limpinho e cheiroso.
      ― Que tem isso?
      ― Agora ninguém mais vai querer me dar esmolas!


Adriano Curado